quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Analogia da inércia

Às vezes ponho-me a pensar em como certos pormenores poderiam mudar, senão o mundo, pelo menos uma cidade. Assim ando por aqui a congeminar um novo Movimento (em todo o esplendor do sentido).

Tenho reparado que em nós portugueses, a tristeza contemplativa se abate e nos domina através dos mais ínfimos traços das nossas vidas. Daí resultam gravíssimas consequências como a baixa produtividade, nula liquidez nas nossas contas bancárias e demais micro e macropadecimentos.

Uma das áreas onde esta característica se manifesta com veemência é nas passadeiras e escadas rolantes: é de reparar como por mais apressados que nos desloquemos, ao chegar a um destes transportadores mecânicos (objectivados na sua velocidade ruminante), estacamos em bloco. Umas vezes justificamo-nos com o casal à nossa frente, outras com o carrinho de compras do mês bem centrado no tapete, mas mesmo quando sós e livres de bagagem, ali ficamos esperando o final da jornada. Será que inconscientemente nos pomos no papel da inerte e angustiada mala rodando abandonada no tapete rolante de um aeroporto?

Há ainda outra variante interessante, a do atlético empresário subindo as escadas duas a duas até aos últimos seis degraus… onde aguarda suavemente a entrega de si próprio na plataforma superior. Uns e outros sentirmo-nos-emos talvez acarinhados pela tecnologia (esse ente superior recém entrado para o panteão das crenças humanas) e regressamos momentaneamente a uma infância perdida.

Assim preconizo e apelo em simultâneo, a todos os cidadãos como eu que se deslocam a pé, não paremos nas armadilhas da inércia, aceleremos se possível nestas viagens assistidas e tiremos delas vantagem, inversamente a atrasarmos as nossas vidas em atitudes meditabundas. Usemos de elegância no trato com os precedentes cidadãos nos demoníacos tapetes, porém neutralizando o seu inegável bloqueio. Passemos palavra a todos quantos dormem.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

— Apetece-me ficar aqui à espera muito tempo.
— Por algo que desejes ou porque esperar é já qualquer coisa em si mesmo?
— Um pouco pelas duas coisas. Mas o importante é que vou fazê-lo por etapas.
— Etapas finitas?
— Não tendo eu alternativa…
— Concretizando…
— Vou assim, como direi, trocar de objecto de espera sempre que um deles aconteça.
— Qual será então o primeiro?
— A chegada do comboio do lado de lá de onde estamos, o que vai desenhar uma linha da esquerda para a direita e, como uma serpente, desaparecer naquele túnel lá ao fundo.
— E depois?
— Esperarei pela última onda sonora audível e, logo de seguida, que o abandono espumante do mar sobre os pequenos seixos se sobreponha como um padrão nos meus sentidos.
— Nesse momento…
— …estarei pronto para esperar que os meus olhos, não conseguindo lidar com a intensidade laranja do final da tarde, adoptem aquela postura de meio-termo, a seu modo também crepusculares.
— …
— Esperarei então que o melhor e mais libertador dos suspiros aconteça, indolente como um paquiderme.
— E…
— Que a minha memória evoque uma música antiga, daquelas de beira-mar, e que na tua cabeça algo de semelhante às minhas descrições, em especial esta última, se vá desenrolando tão sintonizadamente quanto possível.
— Por te parecer ser algo de bom para mim?
— Não exactamente por isso, mais pelo desejo de que o silêncio seja mais uma ponte do que um muro entre nós.
— Calemo-nos então.
— Esperemos…