segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

domingo, 19 de setembro de 2010

Lá fora os pequenos demónios
são cordeiros de homens disfarçados
sorrindo doce e alegremente

Lá fora (os pequenos demónios)
levantam o pó dos medos soterrados
numa laboração fremente

Eis que tremem com a descoberta
Brilhos ázimos soltam-se dos seus olhos
Faíscando em ânsias de morte

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

I

O homem vai apertado,
Desce a rua num casaco apertado,
Dá um jeito aos ombros de quando em vez,
Estica os braços incomodado de quando em vez.

O homem cresceu dentro do casaco,
Viveu a vida fechado dentro do casaco,
Lamenta-se esticando apenas o pescoço,
A única coisa que sente liberta é a cabeça ao esticar o pescoço.

O homem chega a casa por fim,
O trabalho de um dia inteiro chegou ao fim,
Larga a mala no chão da sala e suspira abrindo a janela,
Respira o ar que lhe faltou com a cabeça de fora da janela.

O homem despe o casaco que se rasga,
O casaco não aguenta a pressão e é por isso que se rasga,
Fica ali no chão ao lado da mala e o homem dá um jeito aos ombros,
Estica os braços aliviado (e leve) sente que se descontraíram os ombros.


II

O homem tenta dormir mas a luz verde do relógio,
A luz verde e o anúncio do despertar emanam do relógio,
Desliga a ficha e abandona-se cru no horizonte do descanso,
Não sabe se adormece mas sente-se a sonhar em pleno descanso.

O homem há-de acordar e abrir os olhos,
Mas agora, mesmo com o sol que lhe traz riscas de luz aos olhos,
Deixa-se estar entre um mundo e o outro, entre um mundo e o outro,
E não sabe quando acorda se prefere este mundo em que ainda está se o outro*.

Decide por levantar-se e depois de um banho vigoroso entre águas ferventes e outras refrescantes,
Sobe à arrecadação de luzes rasantes e poeiras levantadas e um baú cheio de cores refrescantes,
E fica um dia inteiro a martelar a coser a desmanchar a recomeçar a desenhar a pensar a fazer (e as paredes cheias de planos),
E desce com alegria (!) e come com apetite coisa de trazer saúde e prazer ao estômago e aos olhos que não descansam porque a cabeça fervilha de planos.

Sai para a rua e traz em si uma coisa nova que dispara tiros de cor para os cinzentos da rua das coisas e dos homens,
Traz em si uma coisa nova que é uma arma que mata os homens mas dá cor às coisas da rua e mata mesmo os homens,
Cada vez há menos cinzento cá fora, dos seus olhos, que são a fronteira entre este mundo e o outro, menos cinzento cá fora
E nessa fronteira é como se dois rios corressem, agitados revoltos antagónicos, um correndo cinzento o outro com as cores derramadas cá fora

* Para onde vai se abrir os olhos.

III

O homem nada na cor que a mistura da sua fúria de pintor revelou, esticou o corpo e flutuou abandonado e cansado, pensando que feliz, afinal cansado, por dentro cinzento de cinzas, de coisas que queimando se perderam. As suas mãos amarradas atrás das costas, o sangue que escorre das mãos, que suja quem o ata mas que vive, ao contrário dos que se amontoam nos passeios, nas escadarias, sem cor que não seja a do abandono dos assuntos dos vivos. Afinal em vez de um casaco agora uma coisa de metal que prende arranha e pressiona os ossos dos pulsos. Afinal em vez de liberdade o final.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Remake revisto e ampliado de:

Sessão de cafet no Nicola Gourmet com esboços de anagramas
(Março de 2008)

I
Trago hoje a carga do tédio, sou numa sala d'espera d'ospital, paciente de uma consulta que não marquei. Antes queria o vazio, se o houvesse, que estas peças de puzzle (são tantas) que não encaixam: falta-me a estampa da caixa como guia, falta-me. Sobro-me, eu que nada sou sem amar, sou peça d'artilharia deixada na rua sem guerra que se lhe depare, num país-país de paz-tédio. Um país de ninguém-luta, medo-casa. Sobro-me no vento das coisas, abstracto sopro sem direcção que proveito ou descoberta traga, sou vela enfunada para a frente atirada sem mapa onde pousar o compasso. Capitão de astrolábio inútil com este céu carregado (podia chover...). Passo tempo num café de um país-não-paris: oh tremor tectónico de outras eras e paragens, abana-me o copo de água das pedras, faz-me olhar para fora deste espécie-mundo, fossa pútrida dos compartimentos sociais, carro, apartamento, quarto (onde estão os terceiros se nem a mim me encontro?).

II
Cromossoma soma corpo
subtrai cromo sobra (s)soma - diminuiu
moço (se ç=ss) se cromo fosse
sem corpo perduraria num qualquer moma
em maço (se ç=ss) ou só (se s só fosse)
macromoço com ligeiro croma

III
Nicola por vezes cola
ou o nico à sacola ou essa ao nico
se tenta e com força descola fica
na sacola um naco do nico que
de tão laico fica sem clã nem lona na sacola

IV
Pedras salgadas com empadas sem sal
nas galas ou festas de pouca monta onde
pululam ladras nas salas
roubando preciosas gema-pedras
comendo regaladas anchovas em salga
com nutritivas saladas
em pé ou refasteladamente sentadas

V
Antes queria uma água por favor, estou assim enjoado - comi muito ao jantar: o galão, já se vê, seria um peso. Além de que uma aguinha fica bem e paga a renda do ateliê de escrita. Queria uma água, um nada por favor, quero nada, por isso dê-me a aguinha natural, quanto é? noventa e cinco cêntimos, aqui estão, posso sentar-me? A garrafa, ponha na mesa, fica bem, dá-lhe cor e dá-me gosto depois repetir a sinfónica cascata no copo de vidro, maestro verta um allegro, isso vivacci, agora ma non troppo com cuidado, não pareça um xixi, isso assim sim maestro, um aplauso para si, ora guarde esta gorjeta: os cinco que me sobraram dos cem que lhe entreguei. Pelo concerto ora essa, aceite por quem é, com os cumprimentos do meu saldo a descoberto.

VI
Fica no caderno, tenho que fazer
(onde está o caderno?)
No andar de cima soa um piano, sem dedos de homem ou mulher. As teclas abatem-se no ângulo e na intensidade precisas da tristeza. De vez em quando o silêncio amplia-se e ensurdece-me, mas logo vem a pungência sonora lembrar-me da essência teimosa da vida que, por mais ténue e fugaz que aparente, sempre liberta a sua nota ainda que tímida. (No andar de cima não toca nada, só o silêncio…)

Mas podia tocar…

(Ser)ÓDIO

Não tendo nada mais edificante para pensar,
Ia o Sol se perdendo nas incomensuráveis alturas celestes,
E reverberando a terra em anúncios de lazer,
Dizia eu que assim mergulhado num torpor destes,
Me pus sem querer nem premeditar: a odiar.

E de um sentimento ou concepção genéricos,
Saltei para o perfilar dos objectos da minha eventual repulsa,
Procurando nos meus vórtices históricos,
A revolta que às vezes em mim pulsa!

E fui, com algum esforço confesso, na lama do desagrado,
Digo eu encontrando quem, por actos por mim menos esperados,
E tendências mais assumidamente vis,
Se sentasse no trono dos mafarricos e malfadados,
E se dispusesse, por impossibilidade de defesa*
À dupla serventia d’alvo e condenado.

De palavras afiadas, molhadas no mais desprezível veneno verbal,
Dispostas numa mesa emprestada por um retirado algoz,
Aborreci-me da tarefa seguinte sem prova experimental,
Pareceu-me pintura fraca a visão do indefeso,
Escorrendo as lágrimas e a urina do desespero.

Deixei assim a mesa posta num museu recém estreado,
Cortei as cordas do prisioneiro e abandonei a sala.


* (face à tirania da memória)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Para alguém que perdeu uma árvore

A árvore subiu muito alto
Seus ramos rasgando as nuvens
Espalhando as folhas sem sobressalto

Um dia não havendo mais espaço
Nem tempo que lhe valesse
Desapareceu em colapso

Mas seus ramos que as nuvens rasgavam
eis que raizes agora se tornam
e delas novos ramos brotam

E das antigas folhas onde as estórias se espraiavam
de uma assentada retornam
e em novos verdes ecoam

Assim a "árvore que tomba" cedo se levanta
pois a seiva que deixou na vida pulsando
a sua senda vai continuando

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Bobi

Aqui estou eu na minha velha beira-mar, da desdita e periférica Cruz Quebrada. Presenteada anos a fio pelo fluxo imundo do esgoto das suas terras irmãs. Com o seu pontão quebrado, numa meia arrogância dos seus avançados blocos de pedra, ilhas de vanguarda, habitadas por gaivotas e persistentes pescadores à linha.
É um banco de memórias da revolta dos mares, cofre dos despojos dos homens e da natureza.
O último dos seus pescadores (daqueles de barcos e redes e mãos gretadas e corpo moreno e rijo e fome) abandonou a sua casa, uma de várias, tolhido por uma partida que o coração lhe pregou. Cumprimenta-me sempre com a mão esquerda, porque a outra se entregou à imobilidade, mas não regateia um sorriso largo quando nos cruzamos numa paragem de autocarro, ou no túnel que leva à estação dos comboios (que nos levam a praias que não foram esquecidas).
A Ti’Ana tratou-lhe do Bobi na sua ausência. Conheci o Bobi há mais de uma década, com as suas mãos-patas enormes sempre prontas para um abraço. Tenho saudades dele, logo à entrada da praia, olhando indiferente os passageiros dos comboios de um dia inteiro. Lá de longe assobiava-lhe (o som é secreto e não vou revelá-lo) e de orelhas em radar esperava-me ansioso, de pulmão cheio, naquele ladrar contido de quem não sabe o que dizer primeiro do tanto que sente. Como eu agora por ele. Nunca o levei a passear, ficava só ali a enchê-lo de festas e palmadas no lombo à camarada, guardados os dois por uma corrente prisional a fazer-me lembrar que a visita era curta, e que me esperavam tarefas e pessoas.

O Bobi esteve ali muitos anos, mesmo quando deixei de andar de comboio, guardião da esquina dos passageiros dos comboios, à espera de um comboio que demorava meses. Há uns meses foi-se embora, mas não como o seu pescador António, abandonou mesmo esta coisa de estar vivo, deixando para trás uma praia inteira, de casas dizimadas pelas tempestades recentes.

Agora só vejo vidros partidos, paredes de alvenaria de tijolo a arreganhar o dente, e a cor em lamentos dispersos agarrada a pequenos pedaços de plástico…

terça-feira, 9 de março de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Desculpas de um designer I

Chefe... eu só não cheguei a Times porque houve um Akzidenz Grotesk...