sexta-feira, 30 de julho de 2010

(Ser)ÓDIO

Não tendo nada mais edificante para pensar,
Ia o Sol se perdendo nas incomensuráveis alturas celestes,
E reverberando a terra em anúncios de lazer,
Dizia eu que assim mergulhado num torpor destes,
Me pus sem querer nem premeditar: a odiar.

E de um sentimento ou concepção genéricos,
Saltei para o perfilar dos objectos da minha eventual repulsa,
Procurando nos meus vórtices históricos,
A revolta que às vezes em mim pulsa!

E fui, com algum esforço confesso, na lama do desagrado,
Digo eu encontrando quem, por actos por mim menos esperados,
E tendências mais assumidamente vis,
Se sentasse no trono dos mafarricos e malfadados,
E se dispusesse, por impossibilidade de defesa*
À dupla serventia d’alvo e condenado.

De palavras afiadas, molhadas no mais desprezível veneno verbal,
Dispostas numa mesa emprestada por um retirado algoz,
Aborreci-me da tarefa seguinte sem prova experimental,
Pareceu-me pintura fraca a visão do indefeso,
Escorrendo as lágrimas e a urina do desespero.

Deixei assim a mesa posta num museu recém estreado,
Cortei as cordas do prisioneiro e abandonei a sala.


* (face à tirania da memória)

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