terça-feira, 6 de setembro de 2016

S de sobreviver

Conhecer alguém antes de a conhecer, não há outra maneira de o dizer. "Não é uma questão de ultrapassar o luto: há que incorporar a perda" diz Helen McDonald, uma talentosa praticante (e cara colega) da misantropia, no bom sentido do termo, e na linha dos que para perceber os Homens, regressam ao mais profundo da natureza, ao estado selvagem que preside em particular nos predadores. Uma mulher de quarenta anos lançada na orfandade de pai, que ensaia e estuda a morte e o desapego com Mabel, um açor, máquina implacável de matar coelhos. Mabel morre também, como o seu pai, e a cada morte, mais do que o vazio, fica qualquer coisa de novo, uma espécie de paradoxo com o qual se pode enfrentar o medo: a incorporação da perda. A tomada de consciência do peso transformador do desaparecimento dos alvos do nosso amor. E a escolha de, perante esse peso, olhar para fora, para o mundo, como se ele estivesse todo dentro de um pensamento, à boa maneira dos solipsistas. E assim sobreviver. Comentário a leitura da entrevista a Helen McDonald publicada na revista LER.