quarta-feira, 12 de outubro de 2016

"Eusa" no Coliseu

As bombas tinham cessado e na cidade ainda a fumegar emergia a alegria de uma sala de espetáculos. Casa cheia, lugares ocupados, os de pé e os sentados, mesmo os que mal deixam ver o palco. As cadeiras rangem ao menor movimento, o chão aqui e ali remendado atira-nos pequenos protestos metálicos à passagem dos últimos espetadores. Nos corredores dos camarotes, acima das nossas cabeças, de quando em vez um trote apressado, talvez soldados atentos ainda de dedo quente e botas ligeiras. Nas costas o ar corre como se houvesse uma porta aberta por cada cadeira. Ao fundo do palco um homem a tentar não falar, mas os seus dedos sem conseguir parar, num martelar enrolado, crescente, melodioso (mel + odioso, que junção estranha para uma palavra tão doce, antes fosse mel + amável, onde no final talvez sem acento ficasse melamavel). Atrás de Yann, o seu nome, uma fita rola e depois uns sons a servir-lhe de fundo ao pianar. Do lado direito de Thiersen, seu apelido, dois minúsculos pianos de brincar onde ele toca a sério para descansar do piano grande e do violino onde rasga meia dúzia de notas de vez em quando. Uma coisa de cada vez, analogicamente, sem camadas, sem maquilhagem, como quem come fruta das árvores ainda com casca, os pingos a escorrer da boca e a brisa a arrepiar o espírito. Voltou talvez três vezes a ver se calava as palmas até que o dono da sala nos calou a todos com as luzes acesas.
Afinal não foi um concerto no pós II Guerra, foi mesmo em 2016, ali no Coliseu, uma espécie de fantasma ignorando a morte. De resto as centenas de pequenos ecrãs acesos, durante a escuridão melancólica do alinhamento, não se cansaram de me lembrar da época em que vivo. Ao contrário de quem gravou o som e a imagem e partilhou a sua estupenda experiência nas timelines mundiais, eu terei de recorrer apenas à minha memória. Yann Tiersen Live Solo Tour

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